O mal do século pode ser vencido

De acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) feitas em junho, a economia mundial se contrairá 4,9% neste ano. Para 2021, o Fundo estima um crescimento de 5,4% da economia global. Segundo analistas do FMI, o impacto adverso é particularmente agudo nas famílias de baixa renda, colocando em risco o progresso significativo feito na redução da pobreza no mundo desde os anos 90.

Há pouco mais de sete meses, o mundo, parece, virou de cabeça para baixo. Sem que ninguém pudesse prever, em dezembro do ano passado, um vírus atingiu um morador da cidade chinesa de Wuhan, província de Hubei, e logo depois a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi comunicada sobre a ocorrência de vários casos de pneumonia na província. Em 7 de janeiro foi identificado o causador da doença: o SARS-Cov-2, um vírus da família dos coronavírus (levam esse nome por sua forma assemelhar-se a uma coroa), conhecidos por desencadear desde resfriados comuns até síndromes respiratórias graves, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS).

Batizada de Covid-19, a doença alastrou-se rapidamente levando a OMS a considerá-la uma pandemia (epidemia que atinge grandes proporções, podendo se espalhar por um ou mais continentes ou por todo o mundo) em 11 de março. Para se ter uma ideia da rapidez em sua propagação, dados da Universidade Johns Hopkins, referência mundial no monitoramento da pandemia, indicam que foram necessários três meses para que o mundo atingisse a marca de um milhão de infectados pela Covid-19, registrada em 2 de abril; em 15 de abril, o mundo chegou a dois milhões de casos. Os números foram crescendo numa velocidade incrível a ponto de, em menos de uma semana, saltarem de sete milhões, em 7 de junho, para oito milhões em 15 de junho. Em 7 de julho, a Universidade registrava 11,6 milhões de casos, a maioria deles nos Estados Unidos (2.852.807), seguidos do Brasil (1.577.004). A pandemia do coronavírus guarda semelhanças com a gripe espanhola, que há um século, entre 1918 e 1920, dizimou milhões de pessoas em todo o mundo.

A Covid-19 afeta o sistema respiratório e seus sintomas a tornam semelhante a uma gripe ou resfriado. Os sintomas mais conhecidos são febre, tosse, dificuldade para respirar, dores, corrimento e congestão nasal, perda de olfato e paladar, dor de garganta e diarreia. Algumas pessoas podem ser assintomáticas, isto é, estarem infectadas, porém, sem desenvolver sintomas. Calcula-se 80% dos infectados sejam assintomáticos. Os outros 20% podem apresentar dificuldade respiratória; desses, 5% podem ter a doença de maneira grave, necessitando de suporte ventilatório para tratar a insuficiência respiratória. Essa situação ocorre, principalmente, em pessoas que possuem comorbidades, como hipertensão, diabetes e problemas cardíacos e respiratórios. Os idosos também estão nesse grupo, chamado de risco, embora a OMS tenha alertado, ainda no mês de março, que a Covid-19 pode, sim, matar jovens e crianças.

A transmissão da Covid-19 de uma pessoa para outra se dá por meio de gotículas respiratórias eliminadas pelo infectado, ainda que assintomático, ao espirrar ou tossir. Essas gotículas podem também contaminar superfícies. Não se sabe ao certo quanto tempo o vírus sobrevive nessas superfícies; outros coronavírus podem permanecer por vários dias sobre esses locais, com poder de infecção, que acontece quando a pessoa toca a superfície e leva as mãos aos olhos, nariz ou boca.

Impactos

Segundo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a Covid-19 é dez vezes mais letal que a gripe comum. Some-se a isso a alta capacidade de transmissão da doença e têm-se o quadro para a saturação dos sistemas de saúde em todo o mundo. Como não há, ainda, um medicamento eficaz para combatê-la nem vacina para imunização, o isolamento social foi apontado como a melhor solução para conter a disseminação do vírus. Quarentenas foram estabelecidas, os trabalhadores foram colocados em home office, empresas, bares, restaurantes, cinemas, casas de espetáculos, templos religiosos fecharam. Somente os serviços considerados essenciais permaneceram em atividade.

Os impactos dessas decisões foram sentidos em todo o mundo. De acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) feitas em junho, a economia mundial se contrairá 4,9% neste ano. Para 2021, o Fundo estima um crescimento de 5,4% da economia global. Segundo analistas do FMI, o impacto adverso é particularmente agudo nas famílias de baixa renda, colocando em risco o progresso significativo feito na redução da pobreza no mundo desde os anos 1990.

Já a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) divulgou relatório, no início de julho, segundo o qual um terço do emprego formal e um quarto do PIB da região serão fortemente afetados pela crise econômica decorrente da pandemia. Segundo a secretária-executiva do órgão, Alicia Bárcena, a crise atinge com maior intensidade os setores industriais potencialmente com maior dinamismo tecnológico e, portanto, aprofundará os problemas estruturais das economias desses países. De acordo com informações coletadas até a primeira semana de junho, o impacto será muito maior no caso das micro, pequenas e médias empresas. A CEPAL estima que serão fechadas mais de 2,7 milhões de empresas formais na região; dessas, 2,6 são microempresas. O impacto será uma perda de 8,5 milhões de empregos.

Vacina, a esperança

As pesquisas para se encontrar uma vacina capaz de imunizar contra a Covid-19 têm avançado com uma velocidade sem precedentes. Pouco mais de sete meses após o surgimento da doença, 18 das mais de 140 formulações criadas a partir de diferentes conceitos já estão sendo testadas em humanos. Duas delas que estão no estágio mais avançado de desenvolvimento, o chamado ensaio clínico de fase 3, que objetiva avaliar a eficácia em um grande grupo de voluntários, começam a ser aplicadas experimentalmente no Brasil. São a ChAdOx1 nCoV-19, desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido e licenciada para o laboratório AstraZeneca, e a Coronavac, da empresa chinesa Sinovac Biotech. Em razão de o Brasil ser um dos locais onde o coronavírus mais circula atualmente e onde mais casos da doença são confirmados diariamente, o País se tornou local ideal para os testes de eficácia de vacinas.

Os estudos britânicos começaram há alguns anos em busca de uma vacina contra a Síndrome Respiratória do Oriente Médio. Esse fato permitiu aos pesquisadores avançar rapidamente para a fase clínica da ChAdOx1 nCoV-19. As fases 1 do ensaio clínico (teste em grupos de 20 a 100 participantes) e 2 (envolvendo um número maior de participantes, mas ainda limitado) já foram concluídas e deve começar agora a fase 3, com cerca de 50 mil voluntários em diversos países. O Brasil participa dessa pesquisa e testará 5 mil pessoas: 2.000 em São Paulo, 1.500 no Rio de Janeiro e outras 1.500 no Nordeste.

O ensaio de fase 3 da Coronavac deverá incluir 9 mil voluntários em diferentes Estados e é patrocinado pelo Instituto Butantan. A evolução das pesquisas foi rápida graças ao conhecimento dos estudos para uma vacina contra a Síndrome Respiratória Aguda Grave, que seguiram até a fase 1, sendo, depois, interrompidos com a contenção do vírus. Até o momento, 90% dos voluntários que participaram das fases 1 e 2 de testes da Coronavc desenvolveram anticorpos neutralizantes do novo coronavírus.

A pergunta que o mundo todo faz é quando haverá uma vacina segura. A despeito da velocidade das pesquisas não é possível prever, ainda, quando isso acontecerá. Pesquisadores indicam que é provável que a vacina só seja conhecida no próximo ano. Além disso, deve-se levar em consideração a quantidade de doses que deverão ser produzidas para imunizar milhões de pessoas em todo o mundo.

Em paralelo às pesquisas para a obtenção de uma vacina, os cientistas se debruçam sobre medicamentos que possam diminuir os efeitos da Covid-19 no organismo. Uma notícia promissora foi anunciada em junho passado com a divulgação de estudo científico feito por um consórcio de pesquisadores coordenados pela Universidade de Oxford segundo o qual o uso do corticoide dexametasona trouxe redução de até 35% nas mortes de pacientes que necessitaram de intubação. A droga é utilizada desde 1960 para o tratamento de várias doenças, entre elas, artrite reumatoide e alergias graves. Desde 1977 faz parte da lista de medicamentos essenciais da OMS e, por isso, está fora de patente e prontamente disponível em todo o mundo.

O estudo com o corticoide envolveu 2.104 pacientes, selecionados aleatoriamente e medicados com dexametasona por via oral ou intravenosa. Eles foram comparados com outros 4.321 pacientes tratados de forma convencional. O resultado foi uma redução de mortes de 35% para os que necessitaram o uso de respiradores e de 20% entre os que precisaram de suporte de oxigênio. Em casos menos severos da doença em pacientes internados, o índice de redução de mortes foi de 13%.

A OMS afirmou que o estudo representa um avanço científico capaz de salvar vidas. Já a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) emitiu nota recomendando que todo paciente com Covid-19 em ventilação mecânica ou que necessite de oxigênio fora de Unidade de Terapia Intensiva receba a medicação. Porém, os cientistas ressaltam que o medicamento só deve ser usado em pacientes internados em estado grave, sendo totalmente desaconselhada a automedicação e seu uso nos casos leves de Covid-19.

Recorde positivo

O Brasil tem acumulado recordes negativos no combate à Covid-19, como o primeiro lugar em número de casos na América Latina e o país que registra mais de mil mortes diárias. Porém, há outro recorde, este, extremamente positivo. O Brasil já contabiliza mais de um milhão de recuperados da Covid-19. Segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, em 10 de agosto, o mundo contava com 12.137.202 pessoas recuperadas da doença; dessas, 2.356.983 são brasileiras.

Esse recorde positivo não significa, no entanto, que o Brasil caminha para o fim da pandemia. Recentemente, o diretor-geral da OMS afirmou, em coletiva de imprensa na sede da organização, em Genebra, que são esperados surtos quando os países começarem a levantar restrições, como ocorre no Brasil e em outras nações. Acrescentou, ainda, que os países com sistemas implementados para aplicar uma abordagem abrangente devem poder conter essas crises localmente e evitar reintroduzir restrições generalizadas. Uma das lições que essa pandemia nos ensinou, ponderou Tedros Adhanom Ghebreyesus, é que independentemente da situação em que um país esteja, ela pode ser revertida. O diretor-geral lembrou que, em março, Itália e Espanha foram o epicentro da pandemia, mas controlaram suas epidemias com uma combinação de liderança, humildade, participação ativa de todos os membros da sociedade e implementação de uma abordagem abrangente. Segundo Ghebreyesus, a maneira mais rápida de sair dessa pandemia é seguir a ciência e fazer o que sabemos que funciona, a abordagem abrangente. E recomendou: “Encontre, isole, teste e cuide de todos os casos, rastreie e coloque em quarentena todos os contatos, dê equipamentos e treinamento aos profissionais de saúde e eduque e capacite as comunidades a se protegerem. Não é apenas testar. Não é apenas promover o distanciamento físico. Não é apenas rastrear os contatos. Não é apenas usar máscaras. É necessário fazer tudo isso”.

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