Metaverso e o futuro do varejo

Lembra do filme Matrix, sucesso em 1999? Nele, o programador de computador Thomas Anderson, vivido pelo ator Keanu Reeves, descobre que é vítima do Matrix, um sistema inteligente e artificial que manipula a mente das pessoas, criando a ilusão de um mundo real, enquanto usa cérebros e corpos dos indivíduos para produzir energia. O metaverso é quase isso, com a diferença de que por trás não há ninguém querendo roubar a energia das pessoas. Na prática, o metaverso é um ambiente virtual imersivo, construído por meio de diversas tecnologias, como realidade virtual, realidade aumentada e hologramas, integrando os mundos real e virtual. Para os jovens das gerações Z e Alpha, conectados ao mundo virtual, o metaverso já é conhecido. São inúmeras as plataformas que utilizam o ambiente para rodar jogos onde é possível interagir através da criação de avatares. A proposta, no entanto, vai além. A ideia é que todos os aspectos da chamada vida real das pessoas – lazer, trabalho, relacionamentos, estudos – sejam permeados de forma imersiva pelo digital e vice-versa. Mas o que se quer saber é: o metaverso pode ser utilizado como ferramenta do varejo?

Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, é categórico: “Sim, o metaverso vai tangenciar o varejo e vai, de alguma maneira, se conectar ao varejo. Ele vai impactar muito o conteúdo de mídia, de entretenimento, de games, de educação, saúde e vai transbordar para o consumo.” Fazendo coro com Serrentino, Eva Lazarin, CEO da Benkyou, uma empresa voltada à educação corporativa, afirma que utilizar esse novo ambiente na área de vendas é totalmente plausível. “O e-commerce chegou na sua plenitude com o omnichanel.” As ferramentas estão sendo aceleradas nos últimos dois, três anos dentro do varejo. Isso também vai acontecer no metaverso, só que numa velocidade maior porque a tecnologia tem se acelerado nos últimos anos. Outra defensora do metaverso como ambiente de negócios no varejo é Patricia Bordignon Rodrigues, diretora de marketing e canais da Benkyou. “A possibilidade de existir um ambiente imersivo vai gerar oportunidades de crescimento muito grandes nos negócios. O metaverso vai transformar a jornada de compras”, afirma, exemplificando que, quando a plataforma estiver plenamente ativa, o consumidor poderá experimentar no seu avatar a roupa que quer comprar e ver se cai bem. “Ao poder testar o que quer comprar, o consumidor terá uma experiência de compra muito superior àquela que tem hoje.”

O início

Embora seja a “bola da vez” da tecnologia, o metaverso não é algo que surgiu agora. O termo foi cunhado pelo escritor Neal Stephenson no livro Snow Crash, de 1992, que conta a história de um entregador de pizza que no mundo virtual – chamado metaverso – é um samurai. Em 2021, quando mudou o nome de sua empresa Facebook Inc. para Meta, Mark Zuckerberg afirmou: “Hoje somos vistos como uma empresa de mídia social, mas em nosso DNA somos uma empresa que constrói tecnologia para conectar pessoas, e o metaverso é a próxima fronteira, assim como a rede social foi quando começamos.” E acrescentou: “No metaverso, você será capaz de fazer quase tudo que possa imaginar – reunir-se com amigos e família, trabalhar, aprender, brincar, fazer compras, criar – bem como ter experiências completamente novas que realmente não se encaixam em como pensamos sobre computadores ou telefones hoje.”

Quando alguém do calibre de um Zuckerberg afirma que vai investir em algo totalmente novo, disruptivo, inovador, o mundo presta atenção. E começa a investir. A Bloomberg Intelligence estima que esse novo mercado deve chegar a US$ 800 bilhões em 2024, puxado principalmente pelos games e eventos realizados no ambiente. Já a consultoria McKinsey prevê que o metaverso seja um mercado de US$ 5 trilhões até 2030. Somente nos cinco primeiros meses deste ano mais de US$ 120 bilhões já foram investidos em tecnologia e infraestrutura para o metaverso, mais que o dobro do valor investido durante todo o ano de 2021.

Desafios

Hoje, o metaverso é uma experiência que está sendo construída. “Temos um caminho a percorrer, esse ambiente não vai acontecer amanhã, ele está acontecendo”, afirma Eva Lazarin. E, para acontecer plenamente, alguns desafios precisam ser vencidos. Um deles é a velocidade de transmissão dos dados. Alberto Serrentino ressalta que o Brasil tem uma agenda de implantação do 5G bastante ambiciosa, que já começou e que deve em pouco tempo mudar o patamar de conectividade disponível no País.

Outro gargalo a ser vencido diz respeito aos óculos de realidade virtual. Além de caros, esses equipamentos são pouco amigáveis, lembra Serrentino, são cansativos, volumosos, muita gente sofre com eles, tem tontura, enjoo. “Isso, hoje, é um obstáculo grande, mas a tecnologia vai superar isso. À medida que o 5G avance surgirão novas interfaces, novas formas de entrar nesses ambientes que não demandem algo tão complexo, caro e volumoso e ao qual nem todo mundo se adapta.” Patricia Bordignon acrescenta que, a partir do avanço das tecnologias, deve cair o preço dos óculos. Mas ela defende que nem sempre é necessário o uso desses equipamentos. “Na Benkyou construímos os metaversos, todos em 3D, que dispensam o uso dos óculos.”

E como será possível pagar pelas compras feitas no metaverso? Eva Lazarin acredita que aquilo que hoje conhecemos como crypto moeda passará por vários processos evolutivos, assim como o mundo evoluiu do dinheiro em papel para o dinheiro plástico. “Minha aposta é que essa moeda se conecte com o dinheiro plástico.” Já para Eduardo Yamashita, COO da Gouvêa Ecosytem, empresa especializada em consultoria, soluções e serviços para os setores de consumo, varejo e distribuição, pagar será a coisa mais fácil. “Vamos pagar na forma que estiver disponível, seja no cartão de crédito, no PIX.” Ele exemplifica que no game Fortnite, um jogo muito popular, qualquer pessoa, com qualquer celular, pode entrar. “Lá dentro, elas gastam bilhões de dólares para comprar dancinha, roupas e armas para seus avatares. Essa economia digital já tem se movimentado nesses ambientes.”

Há, ainda, o aspecto da aderência do comércio, de maneira geral, às inovações tecnológicas. Para Alberto Serrentino, o Brasil é muito aderente e permeável a novas tecnologias. “A cultura brasileira é muito aberta, os brasileiros têm um dos maiores índices de engajamento em mídias sociais, o WhatsApp tem aqui uma das maiores bases do mundo, o Facebook, Instagram. O Brasil tem uma população ainda jovem; certamente, no momento em que a tecnologia amadurecer e escalar, o Brasil será um dos países onde isso vai penetrar de maneira rápida e capilar. A tecnologia vai se democratizar e vai, ao longo do tempo, ser acessível para muitas pessoas, assim como os smartphones e a conectividade se tornaram acessíveis ao longo do tempo.”

E o futuro?

Especialistas acreditam que não falta muito tempo para o metaverso se tornar uma realidade acessível. “Os grandes pesquisadores estimam esse prazo em cinco anos, no Brasil, inclusive. A pandemia acelerou o desenvolvimento de novas tecnologias”, afirma Patricia Bordignon. Eduardo Yamashita lembra que o consumidor se digitalizou primeiro e as empresas o seguiram nessa mudança de comportamento. “Os consumidores mais jovens já estão nessa nova economia. Essa geração, daqui a cinco, dez anos, estará no mercado de trabalho. O consumidor vai entrar nesse ambiente, vai continuar sua transformação e as empresas irão a reboque.”Alberto Serrentino não acredita, no entanto, que o metaverso venha a se tornar tão popular como o e-commerce. “Ele vai estar presente. No mundo dos games, hoje, é muito forte, grande, mobiliza muita gente, movimenta muito dinheiro de várias formas. Nem todo mundo se relaciona da mesma maneira com as mídias sociais. Com o metaverso vai ser a mesma coisa. Nem todo mundo vai gostar, nem todo mundo vai frequentar. O metaverso vai evoluir, amadurecer como mais um ambiente no qual a digitalização impacta a vida das pessoas.”

E o futuro do setor atacadista e distribuidor e do varejo diante do metaverso, como será? Para Yamashita, a resposta não é tão simples. ”Em que estágio estamos agora? Estamos num momento semelhante a 2007, quando Steve Jobs lançou o primeiro iPhone, e nos perguntávamos como isso iria mudar o nosso dia a dia. Vimos o que aconteceu dez anos depois, essa plataforma nova disruptou toda a economia.” Eduardo Yamashita acrescenta que o importante é estar presente no canal em que o consumidor está.

Já Alberto Serrentino destaca que o futuro do varejo está em entender a jornada de compra, conhecer mais os clientes e atendê-los da maneira como quiserem comprar. “Isso vai significar ter as lojas de forma mais inteligente e eficiente, ter plataformas digitais múltiplas, estar nos apps, nos sites, nos marketplaces, nas mídias sociais, estar nos ambientes onde os clientes estão, inclusive no metaverso. Mas ele não será o ambiente dominante do varejo no futuro, pelo menos até onde se vislumbra hoje.

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