Especial: Beber e viver

O universo das bebidas alcoólicas é enorme. Da popular cerveja, com pouca graduação alcoólica, aos destilados potentes, que requerem consumo moderado, há opções para todos os gostos. Mas existe uma maneira de tirar o máximo proveito dessas bebidas, tornando o momento de seu consumo algo sensorialmente agradável, que fique guardado na lembrança? João Correia, professor de gastronomia do Senac São Paulo, dá uma pista: harmonizar bebidas e comidas pode produzir resultados muito interessantes.

E o que é harmonizar bebidas e comidas? “Harmonia é quando uma bebida não neutraliza a comida nem a comida neutraliza a bebida.” Em outras palavras, é quando, após a ingestão do sólido e do líquido, não sobre na boca nem o gosto da comida, nem da bebida. O professor Correia dá um exemplo. Um alimento doce pede uma bebida doce. Assim, o clássico petit gâteau de chocolate acompanhado de um vinho do porto frutado cria um terceiro sabor na boca. “Essa é a perfeita harmonização.” Já um hambúrguer, bem ao ponto e suculento, com uma cebola caramelizada, pede uma cerveja escura, com muito lúpulo e bastante amargor. “Quando juntamos a suculência do hambúrguer com o amargor e o aroma daquela cerveja, conseguimos a harmonização perfeita. A suculência da carne neutraliza o amargor.”

Quando se fala em harmonização, os vinhos ganham destaque. Isto porque, em função da sua variedade, eles permitem muitas combinações perfeitas. A popular reunião de amigos em torno de uma mesa de queijos e vinhos mostra a versatilidade desse fermentado de uvas. Os queijos de massa mole, como o gorgonzola, vão bem com os vinhos brancos mais secos e ácidos. Já os de massa semidura, como o gouda, harmonizam com os vinhos brancos mais frutados. E os de massa dura, como o parmesão, pedem vinho com tanino; aqui, a indicação vai para os tintos. “É claro que não podemos descartar que cada pessoa tem o seu paladar e o seu gosto. Se dá prazer comer queijos de massa semidura e adocicada com um tinto potente, não se pode dizer que isso está errado. Só não é uma boa harmonização”, explica o professor João Correia. E feijoada com vinho tinto, pode ou é um absurdo? “Se for uma feijoada com bastante suculência e gordura, é bom lembrar que o tanino é bom para combater gordura e suculência. O vinho tinto seria perfeito.”

Por sua versatilidade e qualidade, o vinho brasileiro está cada vez mais presente nas mesas. Prova disso é a performance da Vinícola Aurora no ano passado. A empresa teve crescimento em vendas de 6,5% na comparação com o ano anterior, com faturamento de R$ 746 milhões. É o terceiro ano consecutivo que a Aurora atinge o melhor desempenho da sua história, segundo informações de Karine Fonseca, responsável pelo marketing da vinícola. O grande destaque foi o espumante tipo Moscatel, com venda de 3,7 milhões de garrafas, representando um aumento de 29% em relação a 2020.

A pandemia teve importância no crescimento do mercado de vinhos. Como as fronteiras ficaram fechadas por muito tempo, o brasileiro teve que optar por produtos que estavam à disposição, e o vinho estava. “Isso mostrou que temos qualidade e não perdemos para nenhum outro produto que venha de fora do Brasil. A indústria fez o trabalho dela, melhorando a qualidade, investindo em tecnologia e entendendo o que o consumidor brasileiro buscava”, afirma Karine Fonseca.

O segredo dos coquetéis

Saindo dos fermentados e entrando na seara dos destilados, o professor João Correia ajuda a desvendar os segredos que estão por trás de um bom coquetel. “Primeiro, a pessoa precisa conhecer o básico das bebidas que vai misturar, como os sabores, os grupos e, principalmente, a graduação alcoólica.” Um coquetel quase sempre vai ter um destilado, às vezes misturado com um fermentado, ou água, suco, refrigerante e até um creme. “É importante que o coquetel não tenha graduação alcoólica muito alta”, ensina, acrescentando que, para conseguir a harmonia, é necessário juntar ingredientes que darão a essa bebida características que sejam interessantes ao nosso paladar. “Quando coloco um coquetel na minha boca, tenho que perceber todas as bebidas que estão ali. Se eu só perceber álcool, ficou desequilibrado; se tiver muita acidez ou pouco ácido, também está desequilibrado.”

Alguns coquetéis atravessaram fronteiras e se tornaram clássicos, como o dry martini. Quem não se lembra do icônico James Bond pedindo um dry martini, mexido, não batido? “É um clássico da gastronomia e combina com os petiscos antes do jantar.” E, para quem quiser saber, o verdadeiro dry martini é mexido, sim. Correia explica que a função da coqueteleira é conseguir gelar a bebida sem esmagar o gelo. Agitando sutilmente a coqueteleira, conseguimos gelar a bebida sem incorporar o gelo nela.

Há coquetéis que podem acompanhar uma refeição. Uma margarita vai muito bem com alguns pratos com frutos do mar, carnes brancas em geral, sushis, burritos, guacamole, tacos. Numa tarde de domingo, com bastante calor, em que a pedida é uma salada temperada com limão, o acompanhamento pode ser um Aperol Spritz. E não se pode esquecer da brasileiríssima caipirinha, que cai muito bem com queijos menos curados ou petiscos com picância leve. 

Gim, a bebida da moda

Assim como alguns pratos foram moda em alguma época, como a famosa entrada coquetel de camarões, com as bebidas acontece o mesmo. A geração que hoje tem mais de 50 anos se recorda da cuba libre, a “mãe” dos coquetéis à base de rum. Em seguida veio o coquetel bacardi, feito não necessariamente com o rum Bacardi, que leva suco de limão e açúcar. Se acrescentar um syrop de banana, vira daiquiri banana; se colocar morango, daiquiri morango. “O daiquiri foi uma febre dentro da coquetelaria. Depois dele veio o mojito, frequente nas mesas das baladinhas.” O autêntico mojito é feito com rum branco, folhas de hortelã maceradas com açúcar e água com gás, receita do professor João Correia.

Hoje, a bebida da moda é o gim, mais especificamente, o coquetel gim tônica. “Você vai a bares e encontra a carta do bar e a carta de gim. É uma bebida muito floral, que se incorpora muito bem com diversos produtos.” Levantamento da consultoria NielsenIQ com dados do primeiro trimestre deste ano mostram que o gim cresceu 10% na comparação com igual período do ano anterior. “O gim vem há alguns anos num patamar de crescimento”, afirma Daniel Asp Souza, gerente de relacionamento com o varejo da consultoria.

Existem algumas razões, na opinião do professor João Correia, que explicam o sucesso do gim entre os consumidores. “Ele tem muito aroma, é bastante refrescante.” Num país que passa boa parte do ano com temperaturas altas, bebidas que refrescam são sempre bem aceitas. Além do conhecido gim tônica, perfeito para acompanhar uma refeição, graças à combinação do seco da bebida com o amargor da tônica, que estimulam o apetite, as glândulas salivares, outras combinações podem ser feitas. Com anis estrelado ou uma lasquinha de canela, um alecrim, manjericão. “Coloque a frutinha do zimbro, do que é feito o gim, dentro do copo e você terá um sabor diferente. A possibilidade de brincar com os aromas e sabores é muito interessante.”

Preferência nacional

Há 75 anos no mercado, a Casa di Conti fabrica o vermute mais vendido do Brasil, o Contini. Nascida na década de 70, a bebida é uma infusão de ervas com vinho, água e álcool. Encontrado nas versões branco, tinto e rosé, é levemente adocicado. No segmento de bebidas quentes e destiladas da empresa, o Contini reina absoluto. Mas se engana quem pensa que o vermute é o carro-chefe da di Conti. Abílio Neto, gerente de marketing da empresa, conta que, no passado, os destilados eram os preferidos do paladar do brasileiro. “Depois que a cerveja se tornou mais acessível, ela caiu no gosto do consumidor.” Prova disso é que 75% do volume de negócios da Casa di Conti são as cervejas. A empresa fabrica oito marcas, quatro puro malte e quatro tradicionais, as chamadas pilsen, além de malzbier e chope. “As cervejas puro malte estão ganhando penetração entre os consumidores. Esse é um mercado em expansão.”

Além da cerveja, uma preferência nacional, Abílio Neto aponta outra tendência, esta partindo do público mais jovem, em torno de 20 anos. “Essa geração está muito mais aberta a experimentar novas opções de bebidas.” Esses consumidores preferem, hoje, as bebidas Ice, que surgiram há pouco mais de dez anos, e também os coquetéis prontos feitos com destilados. “Vemos novas opções, novas formulações, novas ideias, baixando cada vez mais a graduação alcoólica. Um produto com uma graduação alcoólica de 40% lançado hoje dificilmente terá uma grande aceitação.”

Dentro do portfólio de bebidas quentes da Casa di Conti há 54 produtos, entre vermute, vodka (inclusive a saborizada), gim, licor, cachaças, além de duas linhas de bebidas Ice, a Contini Ice e a Barkov Ice (feita com a vodka produzida pela empresa), e o gim tônica DuRoyale. “Fomos uma das primeiras empresas a oferecer o gim tônica pronto para beber.” Além dos segmentos de bebidas quentes e de cerveja, a Casa di Conti também fabrica duas linhas de refrigerantes.

Para este ano, a empresa espera continuar a retomada de volume e faturamento. “Nossa expectativa é fechar o ano acima do previsto”, afirma Abílio Neto, adiantando que, para 2023, deverão surgir novidades.

    Leave Your Comment

    Your email address will not be published.*