Caderno do Vinho: Salud, santé, saúde!

O ano de 2020 caracterizou-se por pandemia, isolamento, fechamento de bares e restaurantes e, também, foi o ano do vinho. Nunca o brasileiro tomou tanto vinho como no ano passado. Mas e 2021, como será? O avanço da vacinação contra o coronavírus, o fim gradual das restrições e do isolamento possibilitarão que se mantenham os bons números de 2020? Consultorias especializadas e institutos de pesquisa e análise apontam as tendências para os próximos anos.
De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o consumo de vinho no Brasil cresceu 18,4% em 2020, passando dos 360 milhões de litros para 430 milhões entre 2019 e 2020. Esse aumento, segundo a OIV, foi o maior entre os países associados da entidade, embora a fatia brasileira no mercado mundial seja de apenas 2%. Em média, o brasileiro bebeu 2,6 litros de vinho no ano, contra 2 litros em 2019.
Se, no Brasil, o consumo de vinho superou expectativas, em níveis globais houve retração. Dados da OIV mostram que foram consumidos, no mundo todo, 23,4 bilhões de litros em 2020, apontando uma queda de 3% em relação a 2019, puxada pela redução na China, onde o consumo caiu 17%. Os chineses são o sexto maior mercado de vinhos do mundo, com 1,2 bilhão de litros por ano. A liderança fica por conta dos Estados Unidos, com 3,3 bilhões de litros e consumo anual per capita de 12,2 litros.
O crescimento no consumo de vinhos pelos brasileiros foi sentido nas vinícolas. De acordo com a assessoria de imprensa da Vinícola Aurora, 2020 fechou com crescimento de 26% nas vendas de todo o mix de produtos na comparação com 2019. O faturamento chegou a R$ 701 milhões, o maior da história da empresa, resultado da comercialização de 81 milhões de litros de todos os produtos vinícolas.
Na Vinícola Garibaldi, Maiquel Vignatti, gerente de marketing e turismo, informa que o crescimento foi sentido especialmente nos vinhos tintos e frisantes, “estes últimos com crescimento muito acima da curva”.
O isolamento social acabou favorecendo as vendas de vinho em detrimento de outras bebidas. E o e-commerce foi um grande facilitador, pela praticidade na hora da compra, pela segurança ao dispensar a saída de casa e pela disponibilidade de conteúdo, permitindo que o consumidor se informe sobre a melhor garrafa. Segundo análise da IWSR, instituição inglesa fundada há 50 anos e a principal fonte de dados, análises e percepção sobre o mercado global de bebidas alcoólicas, a pandemia resultou na aceleração das vendas via e-commerce. Nos Estados Unidos, por exemplo, 44% dos consumidores de bebidas alcoólicas utilizaram o canal pela primeira vez em 2020, em comparação com 19% no ano anterior.

Baixo consumo
Os produtores brasileiros festejam os números de 2020, porém, o fato é que, quando comparado com outros países, o Brasil apresenta baixo consumo de vinho. Em Portugal, por exemplo, são 51,9 litros per capita, segundo a OIV. No entender de Maiquel Vignatti, da Vinícola Garibaldi, na visão do consumidor, o vinho ainda tem um viés conservador, por mais que a bebida remeta à descomplicação com diferentes tipos e estilos (secos, suaves, espumantes, frisantes, brancos, rosés, tintos, leves ou encorpados). Já na visão da Vinícola Aurora, são várias as razões que levam ao baixo consumo, entre elas o fato de a cultura do vinho ser ainda incipientes no Brasil em comparação com países mais tradicionais na produção e consumo. Outro motivo são as dimensões continentais do País e as particularidades de cada região, Estado ou município, com características muito diferentes entre si. A vinícola também aponta o modelo de produção, distinto dos demais, sendo baseado em pequenas propriedades, com pouca mecanização, o que acaba resultando em volumes mais baixos numa comparação com os vizinhos da América do Sul e com os grandes produtores da Europa.
Além do baixo consumo, o Brasil também sofre com o pequeno destaque no cenário internacional, embora produza vinhos de qualidade. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Enologia, nos últimos dez anos, o País arrematou cerca de 4,5 mil medalhas em concursos internacionais. Maiquel Vignatti afirma que existem algumas formas distintas para chegar ao reconhecimento mundial. “Pode ser por uma região específica, como acontece em Cava, na Espanha, ou Champagne, na França. Pode ser, também, através de uma variedade emblemática de uva, como a Malbec, na Argentina, ou a Carménère, no Chile.” Outro modo apontado por Vignatti é a fabricação de um produto específico. Nesse aspecto, ele entende que o Brasil pode se destacar com o espumante. “Temos uma identidade própria para a bebida, diferentes terroirs [conceito que remete a um espaço no qual está se desenvolvendo um conhecimento coletivo das interações entre o ambiente físico e biológico e as práticas enológicas aplicadas, proporcionando características distintas aos produtos originários deste espaço, segundo definição da OIV] e produtos de altíssima qualidade.” O espumante também é citado pela Vinícola Aurora como um produto que pode elevar o reconhecimento do Brasil, pela sua qualidade e por possuir um frescor que é raro de se encontrar em outros países.
Apesar das dificuldades, as perspectivas para os produtores são otimistas. Na Vinícola Aurora, a safra de 2021 resultou na produção de mais de 70 milhões de litros, entre vinhos, espumantes, sucos e coolers. A expectativa é que haja uma ampliação entre 15% e 20% nas vendas de alguns dos produtos da empresa e crescimento de 60% no volume de exportações. Já na Vinícola Garibaldi, o primeiro semestre deste ano apresentou crescimento acima de 35% em volume na categoria de vinhos finos, embora tenha havido queda no volume total de vinhos. A vinícola espera fechar o segundo semestre com aumento mais significativo no consumo de espumantes.

Tendências
O que esperar de 2021? A IWSR projeta uma retomada gradual e fragmentada, com o provável restabelecimento do consumo pré-pandemia até 2024. E aponta algumas tendências. Uma delas é que, em 2021, o e-commerce seguirá progredindo como um dos principais focos de investimento do mercado de bebidas, especialmente nos Estados Unidos, Brasil, China, Reino Unido e Austrália. No caso brasileiro, essa tendência já é sentida. Segundo a Wine Intelligence, 30% dos consumidores regulares de vinho já usam o canal online para comprar o produto, enquanto 59% pretendem fazê-lo no futuro.
Outra tendência apontada são os novos formatos de embalagem como as latas. Modernas, casuais, versáteis e sustentáveis, as latas têm atraído os jovens consumidores. Essas embalagens devem ser encaradas como uma forma de atingir novos consumidores e ampliar as ocasiões de consumo. Oferecer ocasiões mais amplas de consumo, aliás, é mais uma tendência. De acordo com a IWSR, o hábito que os consumidores descobriram durante a pandemia de ter mais tempo para cozinhar com a família, encontros online e uma taça de vinho para relaxar no final do dia, tudo isso sem sair de casa, deve persistir nos próximos anos. A ideia de que a bebida combina apenas com ocasiões especiais deu lugar a novas ocasiões de consumo. O vinho encaixou-se perfeitamente no conceito da indulgência como compensação pelo isolamento social.

Importados buscam consolidar-se no mercado brasileiro

No ano passado, preso em casa por conta da pandemia, o brasileiro encontrou no vinho uma forma de relaxar no final do dia. Nesse cenário, os importados ganharam relevância. Muitos consumidores experimentaram a categoria, e os que já estavam habituados aos importados aumentaram o volume médio de consumo. E 2021 começou com índices positivos. De acordo com a Ideal Consulting, a importação de vinhos pelo Brasil cresceu 35% em volume entre janeiro e maio, e levantamento da consultoria Nielsen aponta aumento de 30,1% em valor no ano móvel entre março de 2020 e fevereiro de 2021.
Esses números, entretanto, podem não indicar uma tendência. De acordo com Atila Jeunon, da VCT Brasil, maior importador de vinhos do País, esse crescimento acentuado de volume ainda no começo de 2021 tem como base comparativa um período pré-pandemia, o primeiro trimestre do ano passado. “Hoje, já vemos que este crescimento está desacelerado, ainda acima dos patamares de 2019, mas num ritmo menor do que vínhamos vendo. O consumidor hoje se comporta de maneira diferente de como se comportava nos primeiros meses de quarentena em 2020.”
De fato, o consumidor brasileiro tem apresentado comportamento diferente em razão da retomada de uma certa normalidade e relaxamento das medidas de restrição no País. Assim, as ocasiões em que, em casa, o vinho passou a ser protagonista de momentos que não necessariamente eram realizadas dentro do lar, podem não se repetir. “O desafio, agora, não é criar novas situações de consumo, mas sim trazer relevância para a categoria, para que ela continue a ser a bebida escolhida pelos consumidores para essas ocasiões em que eles tiveram maior contato durante o último ano.” Em geral, as datas comemorativas como Páscoa, Dia dos Pais, das Mães, dos Namorados

Preferências
Quando se fala em consumo massivo de vinhos no Brasil, levando em consideração a composição sociodemográfica do consumidor e o paladar do brasileiro, grande parte do volume consumido é do chamado vinho de mesa nacional, com preço mais baixo. Fazendo um recorte para os importados, os chilenos representam quase a metade do total, seguidos dos argentinos e portugueses, segundo Atila Jeunon, baseado em informações de importação e de sell out. E as cepas que fazem maior sucesso no País são as tintas; a maior delas é o Cabernet Sauvignon. Outras uvas bastante consumidas são a Carménère chilena e a Malbec argentina. Os vinhos produzidos com blends/combinações de uvas têm apresentado crescimento importante e ganhado relevância tanto no Chile como na Argentina. “Quero destacar, também, uma tendência cada vez mais consolidada dos vinhos rosés no mercado. Apesar de ainda ser menos relevante que os vinhos brancos, o crescimento deste segmento nos últimos cinco anos é significativamente superior”, acrescenta Atila Jeunon.

Expectativas
Pietro Capuzzi, também da VCT Brasil, aponta uma possibilidade muito grande de crescimento da categoria de vinhos importados no Brasil. “Ainda temos um consumo per capita muito baixo se comparado a outros países e quando olhamos para a penetração da categoria nos lares brasileiros vemos que ela ainda é baixa. Mesmo assim, o Brasil é um dos países que mais crescem entre todos onde a VCT atua hoje.”
Para aumentar o baixo consumo de vinhos pelo brasileiro, Capuzzi ressalta que é preciso ter cada vez mais foco no consumidor e na sua jornada de consumo, não esquecendo que há diversos perfis e comportamentos, dependendo da ocasião. “Os fatores que me levam a escolher um vinho para consumir em casa são diferentes dos que eu considero quando vou levar um vinho para um jantar na casa de amigos e que são diferentes dos que eu considero quando estou num restaurante. Cada ocasião tem suas particularidades, e uma estratégia bem desenhada precisa entender como garantir que estejamos endereçando da melhor forma todas elas.”
Parte do grupo Concha Y Toro, a VCT Brasil tem ampliado sua estrutura no País com o objetivo de ser o parceiro de negócios mais relevante quando o assunto é vinho importado. “Temos um portfólio completo de marcas de alta qualidade, que visa a atender da melhor maneira os consumidores brasileiros em todas as ocasiões de consumo. Estamos investindo na construção dessas marcas, buscando criar um vínculo emocional delas com os consumidores e trazer relevância para a categoria”, afirma Pietro Capuzzi.
A VCT Brasil trabalha com 15 marcas no País, entre elas o Reservado Concha Y Toro, a mais vendida entre os importados no Brasil, Casillero del Diablo, a mais forte e reconhecida pelos consumidores entre os importados, e Don Melchor e Almaviva, marcas ícones chilenas, listadas entre os melhores Cabernet Sauvignon do mundo.

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