Economista Ricardo Amorim: O Brasil tem conserto

Considerada uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil segundo a revista Forbes, o economista Ricardo Amorim é o influenciador latino-americano mais seguido no LinkedIn. Nesta entrevista ao Anuário ABAD, Amorim analisa os rumos da economia brasileira, as razões que levaram à alta da inflação, os impactos da crise hídrica e energética e mostra como é possível consertar o Brasil. E mais: explica que é possível, sim, ser otimista com relação ao futuro brasileiro. Leia, a seguir, a entrevista.

Anuário ABAD – Como o senhor avalia o movimento da inflação neste ano? Acredita que ela crescerá mais que o projetado, elevando as taxas de juros? Em contrapartida, como deve se comportar o crescimento do PIB brasileiro, que tem projeções dos analistas para algo em torno de 4% e 5%? Juro alto não é um empecilho ao crescimento?
Ricardo Amorim –
A inflação tem sido consistentemente maior do que as expectativas do mercado e isso porque as pressões têm vindo basicamente de todos os lados. Primeiro, tem uma pressão dos custos de matérias-primas. Houve um movimento no mundo inteiro depois da pandemia de contração na oferta de matérias-primas. Várias fábricas foram fechadas, e logo depois que a pandemia começou, há um ano e meio, teve tanto estímulo econômico que a economia no mundo inteiro veio com muita força, a demanda pelas commodities subiu e a oferta tinha caído. Resultado, os preços foram lá para cima. O segundo aspecto é que no Brasil houve uma grande desvalorização do real. O dólar subiu muito e encareceu todos os produtos importados. O terceiro é a alta do preço da energia elétrica. Nós tivemos um movimento muito significativo de falta de chuvas nos locais dos reservatórios das hidrelétricas, redução do volume de água e necessidade de utilização das termoelétricas, que são mais caras. Isso tudo vem acontecendo e deve continuar. Para completar, mais recentemente tem tido uma pressão forte no preço do petróleo no mercado internacional e isso também encarece, inclusive o transporte de energia. Resumo da ópera, tivemos aumento de custos para as empresas muito maior do que elas já conseguiram repassar até agora ao consumidor e à medida que a demanda vai crescendo (e ela tem crescido porque, mês a mês, temos tido uma geração muito forte de empregos e, por consequência, gente que antes não tinha renda para consumir e agora tem e vai às compras) as empresas vão gradualmente passando esses aumentos de custos que comeram suas margens no passado para os preços de venda dos produtos, e isso pressiona a inflação. O resultado vai ter que ser alta de juros bem maior do que ela já foi até agora. Até porque com tudo que o juro subiu, a taxa Selic mais do que dobrou, mas, ainda assim, nos níveis atuais, ela ainda está muito inferior à inflação. Eu acredito que a chance que temos de a taxa Selic chegar a níveis de dois dígitos, provavelmente, no começo do ano que vem, é muito grande. E o resultado é que teremos uma contração do crescimento, mas, provavelmente, muito mais no ano que vem do que neste. Neste ano, à medida que começamos a vacinar mais gente, temos menos gente contaminada, o número de mortes pelo coronavírus despencou, tudo isso deve estimular a atividade econômica. Por outro lado, a alta da inflação, que come renda das pessoas, e dos juros, que vai contrair o crédito, deve significar que, neste ano, o Brasil cresce mais do que o mercado projetava. Acho que pode até chegar perto de 6%. Por outro lado, no ano que vem ele vai crescer menos do que as pessoas estão imaginando.

Anuário ABAD – Segundo pesquisa do IBGE, a taxa de desemprego está em 14,1%. Há 14,4 milhões de brasileiros fora do mercado formal de trabalho. Existe um caminho a ser percorrido para mudar esse cenário?
Ricardo Amorim –
Para reduzir o desemprego, o Brasil precisa gerar muitos empregos. Começando pela boa notícia. Nos últimos meses, mês a mês, temos tido a maior geração de empregos com carteira assinada da história brasileira para cada um dos respectivos meses. Ainda assim, no ritmo que vai, vai demorar muito para conseguirmos reduzir significativamente a taxa de desemprego, que está gigante no Brasil. Precisaríamos acelerar mais ainda esse ritmo. O que precisa fazer para isso? Primeira coisa é simplificar, modernizar a nossa legislação trabalhista. Nesse sentido, o Senado acabou de dar um passo à marcha ré disso. Tinha um projeto do governo em votação com uma série de estímulos para a criação de emprego e o Senado basicamente rejeitou o projeto. Era um passo pequeno, mas, ainda assim, importante na direção correta de modernizar nossa legislação trabalhista. Se não fizermos isso, teremos problemas. Por duas razões. A primeira: o Brasil tem uma inflexibilidade na legislação trabalhista, uma situação que estimula as empresas para, ao invés de contratar no Brasil, contratar fora. E agora, com o trabalho a distância, uma empresa brasileira tem a possibilidade de contratar alguém para trabalhar em casa em qualquer outro país do mundo. Se não modernizarmos a nossa legislação, não vamos gerar emprego aqui, vamos gerar emprego em outros países. A segunda questão é a qualificação de mão de obra. Outro grande problema brasileiro é que, por ter uma educação muito precária, temos uma mão de obra pouco qualificada; e neste momento em que as transformações tecnológicas, particularmente a transformação digital, estão se acelerando, isso aqui custa muito caro. Isso custa empregos. O que acaba acontecendo é que se as empresas, mesmo com esse monte de gente desempregada, não encontram profissionais qualificados para o que elas querem, elas vão buscar em outros lugares. Isso já está acontecendo. Há vários setores em que, mesmo com essa massa de desempregados, as empresas não encontram gente para contratar. Isso está acontecendo, particularmente, no setor de tecnologia, mas já vemos isso em construção civil, em vários outros nichos. Esse é o pior dos mundos. Por um lado, muita gente que não encontra emprego; por outro, muitas empresas que não encontram profissionais com a qualificação de que precisam.

Anuário ABAD – Não bastasse inflação ascendente, desemprego em alta, agora, o Brasil se vê às portas de uma grave crise hídrica e energética. Como é possível vencer tantos obstáculos e retomar o crescimento?
Ricardo Amorim –
A crise hídrica, infelizmente, está piorando. Nos três últimos meses, o que estamos vendo é que o nível dos reservatórios não só vem caindo, mas vem caindo num ritmo maior do que o que já vinha acontecendo até então, por conta de falta de chuva. A verdade é que o clima anda maluco. Em julho, tivemos em vários locais do Brasil a temperatura mais fria que já foi registrada, enquanto julho foi o mês mais quente já registrado na Terra, porque no Hemisfério Norte fez um calor absurdo. Tivemos, no Polo Norte, temperaturas que chegaram quase a 20 graus, e isso derrete a capota polar que, por sua vez, coloca água doce no mar, e isso muda as correntes, isso gera furacões. Vemos alagamentos como nunca tínhamos visto em Nova Iorque e em outras regiões importantes do Nordeste dos Estados Unidos. E tudo isso, entre outras coisas, muda o regime de chuvas e o resultado é que está faltando água nas hidrelétricas. Para completar, como a atividade econômica brasileira está forte nos últimos meses, o consumo de energia elétrica no Brasil bateu recorde. Nunca foi tão alto. Principalmente, por conta do aumento da produção da indústria, e nada indica, a curto prazo, que isso vai mudar. Então, se temos mais demanda de energia elétrica e menos oferta de energia hidrelétrica, teremos que fechar essa conta de alguma forma. Primeira forma, colocando as termoelétricas para funcionar. Só que, além de elas terem um impacto ambiental pior, elas têm custo de geração de energia mais alto. Resultado, o custo da energia, que já subiu muito, vai subir mais e vai pressionar a inflação. O grande desafio é conseguir equacionar, via aumento de preço, que é uma péssima solução, mas é única que temos no curto prazo, para que não falte energia elétrica. Aí, os impactos na economia são ainda mais negativos.

Anuário ABAD – O senhor defende que menos impostos para a economia como um todo é a melhor medida para baratear o preço dos produtos e gerar emprego e renda. O governo, no entanto, reduz tributos em um setor e aumenta em outros. Desse jeito, o cobertor sempre será curto, não?
Ricardo Amorim –
Foi aprovada na Câmara dos Deputados uma medida criando imposto sobre dividendos, mudando uma série de tributações no Imposto de Renda, onde, basicamente, alguns vão pagar menos, mas muitos vão pagar mais. Na soma, o Brasil vai pagar mais. O grande problema é o governo brasileiro; o Estado brasileiro gasta demais e, para bancar isso, ele tem que ter impostos, não só grandes, mas crescentes, porque o gasto não só é gigante, ele não para de crescer, e isso é pago por toda a sociedade. O Brasil tem que cortar gasto público. O país gasta demais e a gente não recebe serviços públicos de qualidade equivalente. No curto prazo, a medida que está pronta, que pode ajudar, é a Reforma Administrativa, em que precisamos avançar. Enquanto não fizermos uma boa Reforma Administrativa, não teremos condição de fazer uma boa Reforma Tributária. Vamos continuar fazendo reforma que penaliza um monte de gente no Brasil e o pior, do jeito que está, como ela [a reforma do Imposto de Renda] aumenta o custo de produção para várias empresas, vai reduzir o número de empregos no Brasil. Como ela taxa dividendos, muitos investidores vão preferir montar suas empresas fora do Brasil, vão levar os empregos para fora daqui. Está na hora de o Brasil parar de brincar, encarar a sério o maior desafio que ele tem, que é reduzir o peso do setor público sobre toda a sociedade brasileira.

Anuário ABAD – Diante de tantos problemas e das notícias ruins que teimam em aparecer, a pergunta que todo brasileiro se faz é: como consertar o Brasil?
Ricardo Amorim –
Não se conserta um país a curto prazo, mas, sim, os países podem ser consertados. E o Brasil certamente pode. Até porque há vários exemplos de como isso foi feito. Se pegarmos o que aconteceu na Coreia do Sul nos últimos quarenta anos, era um país que tinha uma renda per capita menor que a brasileira. Hoje ela é quatro vezes maior. E por quê? Porque a produtividade do trabalho na Coreia nesse período se multiplicou por cinco. No Brasil, ela cresceu 5%, ou seja, ela ficou praticamente estabilizada. No Brasil, com tudo que tem de tecnologia em disponibilidade, o trabalhador, hoje, na média, não é nada mais produtivo do que era há 41 anos, em 1980. Isso é um absurdo. Por que isso aconteceu? Porque temos uma educação muito ruim, porque falta automatização, porque, entre outras coisas, os próprios sindicatos, que deveriam defender os trabalhadores, são contra isso e acabam fazendo com que a produtividade seja baixa e, por consequência, os salários no Brasil sejam baixos. Falta infraestrutura, sobra burocracia. A grande questão é que para mudar tudo a população vai precisar se engajar e cobrar dos governantes, de todos os governantes, de todos os políticos, que eles façam a coisa certa. E não é o que temos visto. O que temos visto é que os políticos foram muito hábeis em dividir a população, em grupos de nós contra eles, e aí eles conseguem, cada um deles, ter um grupo que defende os maiores absurdos que são feitos por aquele político específico porque aquele grupo compra absolutamente tudo o que esse político tiver. Enquanto a população não perceber que os políticos nada mais são do que funcionários nossos e que têm que ser cobrados para fazer um bom trabalho, vai ficar difícil a gente conseguir fazer essa mudança. Agora, é possível, vários países fizeram e eu acredito que o Brasil tem todas as condições. Mas a gente precisa se engajar para fazer isso acontecer.

Anuário ABAD – Como o senhor encara o futuro do País? Dá para ser otimista?
Ricardo Amorim –
O otimismo ou o pessimismo do futuro brasileiro depende de todos nós e de cada um de nós individualmente. Se a gente for esperar que um político iluminado, um salvador da Pátria virá e resolverá tudo para a gente, aí eu diria que é para a gente ficar bem pessimista. Isso não vai acontecer, não aconteceu em país nenhum. No próprio Brasil, vários se venderam dessa forma e não entregaram. Agora, nós brasileiros, tanto nas nossas decisões individuais, o que fazemos no dia a dia, quanto no nosso engajamento, na cobrança do coletivo, temos que exigir que todo o sistema político funcione de fato para a população, para a sociedade e não para o próprio Estado, que é o que acontece hoje. O Estado brasileiro foi tomado por um grupo que se beneficia diretamente do Estado às custas da sociedade, da população, o que é uma inversão. O Estado existe para servir a população e não a população para servir o Estado, mas é a realidade brasileira. Não vai acontecer uma mudança sem cobrança porque quem se beneficia do atual sistema não vai ceder à toa, só se não tiver opção. E é exatamente isso que precisamos fazer. Se fizermos isso tudo, aí, sim, eu acredito que temos razão de sermos otimistas com o futuro brasileiro, mais uma vez, como aconteceu mais ou menos há 20 anos. Na virada do milênio houve um processo muito forte de alta de preços das commodities internacionais, das matérias-primas das quais o Brasil é um grande exportador, e isso tornou o Brasil mais rico. Temos essas condições externas de novo. Só elas não vão resolver, precisamos fazer a nossa parte. Mas, se fizermos, aí, sim, temos razão para sermos otimistas com o futuro do Brasil.

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